O regresso à rotina dos animais de companhia

O período de férias traz momentos de felicidade e descontração aos tutores, mas, por vezes, nem tanto aos seus animais. Se, por um lado, há maior disponibilidade para brincadeiras, passeios e interação social, por outro, o animal pode ter de enfrentar uma série de desafios, como ficar num local desconhecido e ter de lidar com pessoas às quais não está habituado. Este comportamento é ainda mais notório e pronunciado quando falamos dos felinos. Como tal, por vezes, esta alteração de rotinas, pode criar ansiedade no animal e até no tutor.

 

Como pode o enfermeiro veterinário intervir, junto dos tutores, nestes casos? O que deve saber e que tipo de recomendações pode fazer, para ajudar a compreender estas alterações de comportamento e minimizar as suas consequências?

 

A socialização é um fenómeno de adaptação e é, em parte, neurologicamente programado em cães e gatos. Na prática, define-se como a tendência dos indivíduos se associarem ou se reunirem em grupos. Desta forma, o desenvolvimento da angústia relacionada com a separação pode ser visto como uma consequência da própria socialização. Para conseguirmos ajudar na prevenção ou minimização antecipada do problema, em primeira fase, devemos saber identificar e comunicar os fatores de risco associados a estas alterações comportamentais. São vários, os animais que vivem com um único ser-humano e esses têm maior probabilidade de desenvolver comportamentos associados a ansiedade por separação do que aqueles que vivem em lares com mais do que um morador. Dos fatores de risco mais frequentes, relacionados com mudanças no quotidiano destacam-se:

 

  • Um tutor que trabalha longas horas ou que sofre uma mudança no horário de trabalho;
  • Viagens frequentes de trabalho ou lazer, onde se enquadram os períodos de férias;
  • Um aumento no tempo que o proprietário passa com a família ou amigos;
  • Novos elementos na família, animais ou bebés;
  • Partida de um membro da família (por exemplo, divórcio ou morte);
  • Morte ou remoção abrupta de outro animal de estimação.

 

Além disso, no caso dos gatos há, ainda, fatores mais propensos: gatos de abrigos, adotados após os 3 meses de idade, gatos que seguem os seus donos ao redor da casa, gatos castrados e gatos pertencentes a um único indivíduo, têm maior probabilidade de desenvolver ansiedade por separação. Como é sabido, animais de estimação mais velhos, podem ser menos toleráveis à mudança e ao stress em geral. As alterações cognitivas numa fase geriátrica, podem reduzir a capacidade dos animais idosos para lidar com a separação dos seus tutores e com as alterações no seu ambiente familiar. Hoje em dia, temos uma esperança média de vida maior dos nossos animais, por isso este fator é indicativo do aumento da incidência deste problema nos próximos tempos.

 

Os problemas de saúde também podem reduzir a adaptabilidade emocional e a capacidade cognitiva do animal de estimação. Desta forma, as condições médicas subjacentes devem ser consideradas em animais de estimação mais velhos com distúrbios comportamentais. Doenças metabólicas e outras doenças associadas ao envelhecimento (por exemplo, surdez, cegueira e osteoartrite) também devem ser considerados fatores de risco. Em relação aos sinais comportamentais/emocionais verificados na ausência dos donos ou no período de adaptação a uma nova rotina, os mais frequentes são: apatia, perda de apetite ou alteração nos padrões de alimentação, vocalização excessiva, agitação, alterações no ciclo sono-vigília, comportamentos destrutivos (por exemplo, plantas, objetos pessoais do tutor) e micção/defecação em locais inadequados. É muito importante relembrar que os gatos podem apresentar estes comportamentos, mas, na maioria dos casos, de forma mais subtil, não devendo, ainda assim, ser desvalorizados.

 

Existem algumas estratégias a adotar antes da partida e no regresso, que podem ajudar a reduzir a probabilidade de ocorrência destes comportamentos ou diminuir a sua intensidade. Os eventos que ocorrem imediatamente antes da saída ou à chegada do tutor, devem ser tão calmos quanto possível. Por exemplo, os rituais de saudação são comuns. No entanto, a exuberância das saudações, por parte do tutor, pode criar inquietação no animal. Pode ser recomendada ao tutor e a todos os que vivem na mesma casa, uma mudança na forma como interagem com o animal sempre que entram e saem de casa, devendo ser evitadas as interações muito demoradas e emotivas. Esta recomendação educativa deve, preferencialmente, ser transmitida aos tutores na fase de educação e socialização de um cachorro e gatinho, pois este tipo de medida deve ser adotado ao longo do ano, de forma a evitar com mais eficácia as frustrações que podem ocorrer no animal, aquando da ausência do tutor. Nos cães, uma longa caminhada antes da partida e a apresentação de um brinquedo novo e interativo (por exemplo, dispensadores de biscoitos), vão ajudar a promover uma associação positiva com a ausência do tutor. Nos gatos, também brinquedos didáticos, que implicam resolver situações simples ou desenvolver novas competências para obter uma recompensa, são uma boa opção, pois permitem mantê-los entretidos, estimulando o seu instinto predatório natural, o que contribui, também, para diminuir o sedentarismo.

 

Deveremos sempre reforçar a ideia de que o regresso à normalidade é feito de forma gradual, devendo o tutor estar preparado para lidar com alguns destes comportamentos, mesmo quando já se encontra novamente em casa, depois do período de férias. Como vai ser necessário um período de adaptação para o animal que veio de um sítio diferente ou para o que ficou sozinho, é previsível que estes comportamentos se possam prolongar durante alguns dias e até semanas após o regresso à rotina.

 

Bibliografia:

Risk factors and behaviors associated with separation anxiety in dogs - G Flannigan , N H Dodman

Separation anxiety syndrome in dogs and cats - Stefanie Schwartz

Identification of separation-related problems in domestic cats: A questionnaire survey Daiana de Souza Machado, Paula Mazza Barbosa Oliveira, Juliana Clemente Machado, Maria Camila Ceballos, Aline Cristina Sant'Anna